Sócrates: "Eu é que sou o juiz da minha própria iniciativa."

“Eu é que sou o juiz da minha própria iniciativa”, afirmou José Sócrates este domingo, em entrevista à CNN Portugal. O antigo primeiro-ministro está a ser julgado por 22 crimes no âmbito da Operação Marquês e defendeu que a queixa ao Estado português no Tribunal Europeu de Direitos Humanos e o incidente de recusa contra a PGR são parte da sua estratégia de defesa contra aquilo a que chama de “golpada judicial”. A última sessão do julgamento antes da interrupção para as férias judiciais foi a 15 de julho e o regresso está marcado para 2 de setembro.
“Estou neste julgamento sob protesto, tenho ainda uma disputa judicial em curso”, afirmou Sócrates, que se queixa do que diz ser “um segundo julgamento”. “Não é possível mudar a acusação sete anos depois. É uma acusação feita à traição, surpresa. Em 2017 acusam-me de uma coisa, sete anos depois acusam-me de outra”, diz o antigo primeiro-ministro. Questionado sobre se as ações estão a ser um ataque, Sócrates responde: “Não tenho estratégia de ataque, tenho estratégia de defesa. Farei esta defesa quer os juízes gostem ou não gostem. Eu é que sou o juiz da minha própria iniciativa”.
Sobre o incidente de recusa apresentado pela defesa contra a PGR, Sócrates justifica que “o senhor procurador disse aquilo que disse e eu achei que devia protestar junto de quem devia protestar, o Supremo Tribunal de Justiça”. Contudo, o arguido na Operação Marquês questiona a decisão do STJ de rejeitar o pedido. “Em vez de censurarem o procurador, que violou a lei, multam-me. Estamos numa sociedade da humilhação. A nova violência estatal é a violência que pretende humilhar, maltratar, maldizer.” A mostrar um papel com a diretiva europeia sobre a presunção de inocência, Sócrates recorda a queixa apresentada no tribunal europeu. “Estou a ser julgado pela segunda vez”, queixa-se. “O que não existe em Portugal são as garantias de defesa. Todas as garantias constitucionais estão a ser negadas“, afirma ainda o antigo primeiro-ministro, que diz que “o lapso de escrita é uma golpada judicial para me obrigar um segundo julgamento.”
Sócrates também abordou as interações polémicas com a imprensa à porta do tribunal. “Aceitei o vosso convite porque fico com a sensação que a cobertura do julgamento teve mais a ver com os traços do meu temperamento e das minhas divergências com a juíza do que propriamente sobre a substância”, justificou o antigo primeiro-ministro. “O jornalismo também cobriu desta forma estes cinco dias porque o que se passou foi que em duas das principais acusações, a questão da PT e a questão que diz respeito ao TGV, a verdade é que não ficou pedra sobre pedra”, alega ainda.
A falar diretamente sobre as acusações das quais é alvo, José Sócrates voltou a repetir o que defendeu em tribunal, apresentando as mesmas “provas” levadas ao julgamento. Sobre as escutas telefónicas apresentadas em tribunal como prova da relação de amizade com Ricardo Salgado, Sócrates disse que não tinha o número de telefone do então presidente do BES, não sabia onde era a sua casa, nunca foi ao seu escritório e que “não é verdade” que seja seu amigo. “Como toda gente sabe, tratar as pessoas por ‘meu caro amigo’ é uma expressão coloquial”, justificou. “Ele estava num momento de grande dificuldade e eu dei-lhe uma palavra de simpatia como faço com toda a gente que está em dificuldades.”
Sócrates levou ainda o despacho do secretário de Estado das Finanças, que chamou anteriormente em tribunal a sua smoking gun, como “prova de que não é verdade o que o ministério público diz”. O antigo primeiro-ministro também voltou a ler parte do depoimento de uma testemunha, que foi motivo de confronto com a juíza Susana Seca numa das sessões de julgamento. Sócrates alega que a testemunha, um representante do Estado no caso, “nunca viu uma carta mandadeira com sentido de voto referido”. Sobre as transferências de dinheiro que terão acabado nas mãos de José Sócrates, depois de passarem por intermediários como Francisco Canas (dono já falecido de uma casa de câmbio na Baixa), o empresário Hélder Bataglia ou o seu primo José Paulo Pinto de Sousa, Sócrates defende que são “negócios privados” que “nada tem a ver com aquilo que aconteceu durante a OPA.”
Sócrates também referiu as transferências de dinheiro de Carlos Santos Silva. “Não quis nem nunca aceitei que uma relação com o Carlos Santos Silva fosse confundida com uma relação de trabalho”, justifica, confirmando que recebeu dinheiro do amigo. “Não queria que isso fosse mal interpretado. Não é nenhum crime. Na altura em que o meu amigo me fez esses empréstimos eu não estava na vida política e já tinham passado mais de 2 anos da minha saída do governo. Portanto estava completamente livre de ter as relações que quisesse com as pessoas que me eram próximas”, afirmou o antigo líder do PS, que disse que os empréstimos não passaram pelo sistema bancário para que não fossem “confundidos com uma relação laboral.” “Ilicitude tem que estar descrito no código penal”, diz Sócrates. “Devolvi-o“, conclui.
José Sócrates defendeu-se ainda das acusações de que terá tentado antecipar o concurso do TGV. “Antecipar concursos é algum crime? Não é. Mas é falso isso”, começou por dizer. O antigo líder do PS também voltou a negar a tese de ter pressionado e conformado as regras do procedimento para garantir a inclusão de uma cláusula de indemnização ao consórcio face a uma eventual recusa de visto do TdC ao projeto — como veio a ocorrer, reclamando mais de 150 milhões de euros. “Acha que um primeiro ministro se ocupa de cláusulas de contratos que têm milhares de páginas? Essa ideia que o primeiro-ministro mete uma cláusula num contrato é uma ideia de crianças“, disse. Entretanto, acaba por defender que a cláusula mencionada foi aprovada pelo júri do concurso, que a considerou “legal, justa, racional e vantajosa para ambas as partes”: “Não foi aprovada pela política, foi aprovada pelo júri.”
Sócrates terminou a entrevista a responder a uma acusação de que um agente da PSP teria negado cumprimentá-lo. “Isso nunca aconteceu, eu nunca tentei cumprimentar agente nenhum, porque eu não faço isso. Quando passo pelas pessoas digo bom dia ou boa tarde, não ando à procura de fazer companheirismo seja com quem for nem estou em campanha eleitoral, não estendo a mão a quem não conheço“, afirmou o antigo primeiro-ministro. “Eu próprio já desisti de contestar todas a mentirolas que dizem sobre mim.”
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